Antes mesmo da palavra enquanto significante da expressão humana, o desenho já possibilitava que as sociedades pré-históricas mostrassem como lidavam com os seus sonhos, desejos, crenças e fantasias.
Nós temos a necessidade inerente de nos conectarmos com o outro, e assim como o homem do tempo rupestre, que encontrou formas de registrar os seus modos de vida por meio das pinturas em cavernas, através de manifestações como o desenho, a criança também projeta elementos do seu imaginário e busca dar novos sentidos para a sua própria realidade.
Desde a década de 1920, a psicanálise propõe o método da análise infantil com base na utilização de práticas lúdicas, tendo no brincar e no desenhar a possibilidade de expressão e, por consequência, a simbolização das narrativas apresentadas pela criança.
Na atualidade, as intervenções psicológicas da terapia infantil, aprimoraram estas práticas projetivas, visando a compreensão das cadeias associativas que exploram as fantasias e ansiedades advindas das sessões, com o objetivo de acessar o inconsciente da criança.
Figuras, formas, intensidade, cores, objetos e suas disposições no espaço, são alguns dos elementos que ganham vida e trazem novas possibilidades para os pequenos dizerem como se inserem no mundo.
A partir de sua vivência clínica, a psicanalista Mélanie Klein (1974) aponta que o desenho guarda uma atividade inconsciente muito mais profunda da criança “trata-se da procriação e da produção no inconsciente do objeto representado” (KLEIN apud MÉREDIEU 1974, p. 61).
Em síntese, com uma prática tão sutil, temos a condição de explorar infinitas possibilidades, e fazer descobertas importantes sobre a singularidade de cada criança. A simplicidade da conexão, está no desejo de ver um pouco além, de abrir para o pequeno a possibilidade de se expressar, através de sua dimensão subjetiva externada em linhas e cores.
Uma experiência para inspirar
Aos pais que desejam ressignificar esta prática, é simples: faça da mesa, do chão, ou de qualquer cantinho plano, uma porta de entrada para o incrível mundo imaginário de seu filho.
Utilize um papel sulfite, lápis grafite e de cor, e mãos à obra!
Vimos que somos seres dotados de intelecto e atribuímos ao que vemos muito do que sentimos. Não é diferente com a criança: ali naquele desenho, ela está fazendo emergir o que subjaz em sua mente. Por isso, durante o desenho, deixe o pequeno voar livre em sua criatividade, diga que não há certo ou errado, mas sim que a criação livre é o essencial.
É importante ressaltar que esta atividade não substitui a análise e acompanhamento de um profissional especializado, nos casos em que é necessário a intervenção do mesmo.
O segredo está no diálogo
Após a atividade, mostre interesse genuíno na produção da criança, olhe para a obra e perceba as cores, dimensões, pressão na folha, traços e posicionamentos. Preste atenção em cada elemento, nos lugares, nas formas e expressões das figuras representadas, e o convide a pensar sobre o desenho. Inicie o diálogo a partir do que mais lhe chamou a atenção, pense em questões como:
- Que ambiente está retratado naquele desenho?
- Qual a sensação que o lugar transmite?
- Quais figuras estão ali representadas e o que elas significam para a criança?
- E a emoção dos personagens, eles demonstram estarem felizes ou tristes?
- O que fazem eles estarem assim?
- O que ele pensou e sentiu ao fazer aquelas figuras?
- O desenho lembra algum lugar do convívio?
Desse ponto em diante, as portas de um incrível mundo se abrem para a livre associação dos conteúdos, o que torna possível atingirmos a nossa proposta de promover um tempo de qualidade entre adultos e crianças, e desenvolver habilidades expressivas, por meio da criação de um espaço de diálogo, a partir do desenho infantil.
Parafraseando Toquinho, com o olhar atencioso, fortalecemos os nossos vínculos e vamos contornando com amorosidade a imensa curva que cria as bordas da personalidade infantil.
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Duas Histórias Clínicas (o Pequeno Hans e o Homem dos Ratos): Volume 10. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
KLEIN, M. A técnica analítica através do brinquedo: sua história e significado. In M. Klein (Org.), Novas tendências na psicanálise. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1980.
KLEIN, M. Psicanálise da criança. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1981.
MÉREDIEU, F. O Desenho Infantil. 11. ed. São Paulo: Cuktrix, 2006.
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